terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Por que Cálcular Muitos Dígitos no PI

Quanto ao porquê de se procurar calcular PI com um número de decimais cada vez maior se, sabe-se, que tais aproximações não terão valor prático:

ATE A SEGUNDA GUERRA:

* desafio, o prazer que sente todo verdadeiro matemático de enfrentar um problema difícil
* fama, o desejo de entrar para a História da Matemática
Por exemplo, um dos mais famosos records no calculo do Pi foi o de William Shanks o qual, em 1 874, depois de 15 anos de cálculos, obteve os 707 primeiros dígitos do PI. Seu trabalho foi de força bruta, a base de lápis e papel, e mesmo com o surgimento de máquinas de calcular e os primeiros computadores, esse record só foi quebrado em 1 947, por D. Ferguson usando uma calculadora mecânica, ao obter 808 dígitos. Mas, o mais importante é observarmos que esse tipo de esforço louco ficou para o passado com o surgimento dos computadores eletrônicos digitais, durante a Segunda Guerra

ATUALMENTE:

alem dos itens acima:

* demonstrar a potência de novos métodos de cálculo

os progressos algorítmicos no cálculo do PI foram muito mais sensacionais do que os das máquinas. Isso foi muito bem colocado por Neal Carothers:
"O cálculo dos 100 265 primeiros digitos do PI, em 1961, precisou de aproximadamente 105 000 operações aritméticas, enquanto que o algoritmo inventado pelos irmãos Borwein em 1984 precisou de apenas 112 operações aritméticas para obter os mesmos dígitos. Com meras 8 iterações desse algoritmo ( o que envolveu 56 operações aritméticas ) eles obtiveram em poucos segundos a aproximação que consumiu 15 anos da vida de Wm. Shanks".

* estudar a estatística da distribuição dos dígitos do PI

conforme já mencionamos acima, um dos interesses em calcularmos grandes quantidades de dígitos do PI é podermos verificar se é ou não verdadeira a hipótese da distribuição aleatória de seus dígitos. Os cálculos já realizados tendem a confirmar essa conjectura. Por exemplo, examinando os 200 bilhões de dígitos iniciais do PI, Kanada e Takahashi obtiveram a seguinte distribuiçõo:

DIGITO NUMERO de OCORRENCIAS
0 20000030841
1 19999914711
2 20000136978
3 20000069393
4 19999921691
5 19999917053
6 19999881515
7 19999967594
8 20000291044
9 19999869180


esses números de ocorrência estão bastante próximos dos esperados 20 000 000 000. Mais do que isso: os números de ocorrência tendem aos valores esperados com uma velocidade que está dentro do previsto pelo cálculo das probabilidades, conforme detalharemos adiante.

* demonstrar a potência de novos computadores:
uma maneira prática de exibirmos a potência de um novo computador é anunciando que o mesmo possibilitou a quebra do record no número de algarismos calculados para PI
E' tambem importante observar que essa corrida de super-computadores tomou o lugar dos esforcos loucos, por anos a fio, de gente como Shanks e outros:

calculistas ano dígitos máquina tempo por dígito

Wm. Shanks 1807 707 lápis e papel 1 semana/dig
Reitwiesner 1949 2,037 ENIAC 0.25 seg/dig
D. Shanks e Wrench 1961 100,265 IBM 7090 0.3 seg/dig
Guilloud e Bouyer 1973 1 milhão CDC 7600 0.1 seg/dig
Kanada e Tamura 1983 16 milhões Hitachi M-280H 0.006 seg/dig
irmaos Chudnovsky 1991 2 bilhões m-zero 0.0003 seg/dig
Kanada e Takahashi 1999 200 bilhões Hitachi SR8000 0.0000007 seg/dig

O Cálculo de Aproximações Praticas do PI

Dada a ubiqüidade do PI, já comentada acima, é mais do que natural e importante que desejemos calcular seu valor. Contudo, dada sua irracionalidade imprevisível, jamais saberemos seu valor exato e isso nos leva a indagar: por que não nos contentarmos com aproximações PRATICAS do PI?

Nas lides diárias, dificilmente precisaremos conhecer uma aproximação melhor do que 3.14, enquanto que a vasta maioria dos calculos científicos não precisa saber mais do que 3.1416 e somente cálculos matemáticos muito exigentes, como o da obtenção de valores muito exatos das funções trigonométricas, precisaria saber mais de 10 dígitos do PI.

O mais antigo matemático que se preocupou com a obtenção de aproximações PRATICAS do PI foi Archimedes c. 200AC, em seu trabalho Sobre a medida do círculo. Usando o método dos polígonos, que descreveremos adiante, na proposição 3 desse trabalho ele mostra que:

a circunferência de qualquer círculo é maior do que três vezes seu diâmetro, e o excesso e' menor do que a sétima parte do diâmetro mas maior do que dez vezes sua septuagésima primeira parte

ou seja: 3 10/71 < PI < 3 1/7, o equivale a dizer, em frações decimais: 3.1408 < Pi < 3.1428.

O método dos polígonos envolve a obtenção de sucessivas delimitações da circunferência do círculo através do cálculo do perímetro de polígonos regulares inscritos e circunscritos, cujo número de lados vai sucessivamente dobrando. Consequentemente, o método é capaz, ao menos em princípio, de obter aproximações do valor do PI tão grandes quanto desejarmos. E' importante não esquecermos desse "em princípio" pois que Archimedes calculava com frações ordinárias e isso tornava seus cálculos extremamente penosos.
Archimedes partiu de quadrados e chegou até aos hexacontatetrágonos ( = polígonos regulares de 64 lados ) e aí parou pois que achou que esses produziam um aproximação PRATICA do PI.
Insistimos: ele parou aí porque considerava ter obtido uma aproximação prática e não porque não tinha condições de enfrentar o crescente volume de cálculos. Com efeito, Heron de Alexandria, in Metrika I, diz que Archimedes, em seu livro Plinthides kai kylindroi ( hoje, completamente perdido ), mostrou que:

211 875 / 67 441 < PI < 197 888 / 62 351
( em frações decimais, corresponde a: 3.1416349 < PI < 3.1737742 )
e, certamente, teria condições de fazer ainda melhor se assim desejasse.
Em verdade, o costume de preferir usar aproximações cómodas do PI, em lugar de aproximações mais exatas, não iniciou com Archimedes. Os mesopotâmicos e os romanos conheciam várias aproximações para o PI, embora preferissem usar PI = 3 ( é o que fazia, por exemplo, o famoso arquiteto romano Vitruvius ).

Logo após Archimedes, Apollonios, num outro trabalho lamentavelmente perdido e entitulado Okytokion, obteve a hoje clássica e universal aproximação PI = 3.1416 ( que provavelmente ele escreveu como 3927 / 1250 ), mas reconhecia que a mesma não tinha a praticidade da 22/7 ( ou seja 3 + 1/7 ) de Archimedes.
B. van der Waerden argumenta que o trabalho de Apollonios foi lentamente divulgado entre os matemáticos e astronomos indianos e chegou até a China onde Zu Chongzhi c. 450dC o teria aperfeiçoado para obter a estimativa 3.1415 926 < PI < 3.1415 927, que corresponde a calcular PI com sete dígitos corretos e que foi durante muitos séculos a mais exata aproximação conhecida para PI ( os livros de Zu Chongzhi foram perdidos, mas sabe-se que sua estimativa acima aparece no livro de Cálculo Infinitesimal, entitulado Zhui shu, que foi escrito por ele ou por seu filho, Zu Gengzhi, o qual foi um matemático ainda mais talentoso; o mais antigo relato que temos do cálculo do Pi por Zu Chongzhi aparece no comentário de Li Chunfeng do Jiu zhang suanshu, capítulo 1, problema 32 ).

Por que é Tão Dificil Calcular o PI

A principal razão é que PI não é uma fração. Com efeito, se PI pudesse ser escrito como uma fração m / n, seu cálculo poderia

* ou se resumir em buscar o valor de tais numeros inteiros m e n
* ou explorar a periodicidade de sua representação decimal
( por exemplo, se fosse verdade que PI = 22 / 7 = 3.142857 142857 142857 ..., então nos bastaria achar o valor da parte inteira, 3, e o bloco 142857 que se repete indefinidamente )

O fato de que, por mais de 2000 anos, ninguém tivesse conseguido explorar nenhuma das duas possibilidades acima é exatamente o que sugeriu que PI não deva ser uma fração. A verificação rigorosa desse fato, ou seja a demonstração da irracionalidade de PI, veio só com Lambert, em 1 761.
Em verdade, por si só, a irracionalidade de PI não seria suficiente para determinar a dificuldade de seu cálculo; com efeito, existem irracionais de representação decimal previsível, e então fáceis de calcular, como é o caso de 3.10110111011110... . PI é difícil de calcular porque é um irracional imprevisível: sua representação decimal não mostra nenhuma previsibilidade, sendo que acredita-se que seus algarismos se distribuam aleatoriamente.

Pi Esta em todos os Lugares

O rolar das ondas numa praia, o trajeto aparente diário das estrelas no céu terrestre, o espalhamento de uma colônia de cogumelos, o movimento das engrenagens e rolamentos, a propagação dos campos eletromagnéticos e um sem número de fenômenos e objetos, do mundo natural e da Matemática, estão associados às idéias de simetria circular e esférica. Ora, o estudo e uso de círculos e esferas, de um modo quase que inexorável, acaba produzindo o PI. Daí a ubiquidade desse número. Ele é uma das constantes universais da Matemática.
É importante chamarmos a atenção para o fato que também são frequentes as ocorrências do PI em estudos onde aparentemente, principalmente para uma pessoa de pouca formação matemática, não estariam envolvidas simetrias circulares: na normalização da distribuição normal de probabilidades, na distribuição assintótica dos números primos, na construção de números primos próximos a inteiros dados ( na chamada constante de Ramanujan ), e mil e uma outras situações.

A Descoberta do PI

A descoberta teórica do PI

Quem pela primeira vez provou rigorosamente a existência do PI?
Bem, essa pergunta talvez nunca possa ser respondida. Que eu saiba, a mais antiga referência que temos de uma demonstração da existência do PI fala de Hippokrates de Chios, c. 430 AC. Trata-se de uma nota de Simplicius, filósofo grego que viveu quase mil anos depois de Hippokrates. Simplicius, no seu Comentário sobre o livro Physis, de Aristóteles, menciona que Eudemos na sua História da Geometria ( escrita c. 330 AC e, hoje, há muitos séculos totalmente perdida ) diz que Hippokrates demonstrou que a razão entre as áreas de círculos é igual à razão entre os quadrados dos respectivos diâmetros.

Por outro lado, o mais antigo documento ainda existente e que traz demonstração da existência do PI é o livro Elementos de Euclides, escrito em c. 300 AC. Na proposição 2 do Livro XII dos Elementos, Euclides enuncia e prova que círculos estão um para o outro assim como os quadrados de seus diâmetros, que é o resultado atribuído acima a Hippokrates. Ademais, na proposição 18 desse Livro XII, Euclides enuncia e prova que esferas estão uma para a outra assim como a razão tríplice de seus diâmetros.

Euclides encerrou o Livro XII de seus Elementos sem tratar da questão da área da esfera. ( Coube a Archimedes c. 250 AC mostrar que a razão entre as áreas de esferas é igual à razão entre os quadrados de seus diâmetros ). Mas o mais curioso é que em nenhum dos treze livros dos Elementos Euclides fala no PI da circunferência.

Coube a Archimedes a tarefa de ir mais longe do que Euclides demonstrando a existência dos PI's que esse não abordou e estabelecendo resultados que permitem facilmente relacionar os quatro tipos de PI: o PI das circunferências, o PI de áreas de círculos, o PI de áreas de esferas e o PI de volumes de esferas.
Para levar a cabo esse Projeto PI, Archimedes precisou completar o conhecimento exposto nos Elementos de Euclides, descobrindo e demonstrando os seguintes três teoremas:


* a área de cada círculo é igual a de um triângulo reto cujos catetos valem o raio e a circunferência do círculo
( Archimedes: Sobre a Medida do Círculo, proposição 1 )

* a área de cada esfera é igual a quatro vezes a área de seu círculo máximo
( Archimedes: Sobre a Esfera e o Cilindro, Livro I, proposição 33 )

* a razão entre o volume da esfera e o do cilindro que a circunscreve é 2:3
( em verdade, Archimedes in Sobre a Esfera e o Cilindro, Livro I, proposição 35, trabalha com um cilindro maior, de mesma altura e mesmo eixo que o cilindro circunscrevendo a esfera, MAS com o dobro do diâmetro; essa proposição 35 relaciona o volume da esfera, o volume do tal cilindro maior e o volume do cone inscrito no cilindro maior:
VOL ( esfera ) + VOL ( cone ) = 1/2 VOL ( cil maior )
Ora, no Livro XII, prop. 10, Euclides provou que VOL ( cone ) = 1/3 VOL ( cil maior ), de modo que a relação acima mostra que:
VOL ( esfera ) = 1/2 VOL ( cil maior ) - 1/3 VOL ( cil maior ) = 1/6 VOL ( cil maior ) = 2/3 VOL ( cil circunscrito );
Archimedes acabou realmente usando a razão 2:3 e, aliás, sentia-se tão orgulhoso desse resultado que pediu que fosse gravada uma figura do mesmo em sua lápide )



Bem, mas voltemos a um pouco antes do Projeto PI de Archimedes. E' bastante conhecido que Euclides foi matemático pouco original e que seu livro Elementos corresponde mais a uma compilação de resultados já conhecidos e a uma terceira geração de stoicheia ( = elementos ), ie de uma terceira geração de organizações axiomáticas dos conhecimentos básicos da geometria elementar grega. Isso nos leva a indagar quem teriam sido os reais autores das proposições 2 e 18 de seu livro XII. Partindo do fato que Euclides baseou a demonstração dessas duas proposições no Método da Exaustão, T. L. Heath ( in The Thirteen Books of Euclid's Elements ) concluiu que as mesmas remontam, no mínimo, a Eudoxos c. 370 AC, o qual é tido como o primeiro grande matemático a desenvolver o Método da Exaustão. E' importante, contudo, que não esqueçamos que essas demonstrações podem ser anteriores a Eudoxos, pois esse método foi criado duas gerações antes dele, por Antiphon e Bryson em c. 430 AC.
Muitas pessoas acham que precisamos ter o valor do PI para calcular circunferência de círculos. Um exemplo clássico mostrando que isso NAO e' verdade e' o cálculo da circunferência da Terra por Erathostenes c. 250 AC. Ele mediu um arco de meridiano terrestre de 5000 estádios e, usando um instrumento de forma semi-esférica ( chamado skaphe ), verificou que esse arco de meridiano era proporcional a um arco de meridiano da skaphe, o qual media 1/50 do meridiano da esfera desse instrumento. Consequentemente, concluiu que o meridiano terrestre e' 50*5000 = 250000 estádios. Ou seja, em lugar nenhum precisou saber o valor do PI!

Esse exemplo, e outros que poderiamos mencionar, mostram que é bastante surpreendente que a quase totalidade das pessoas ache que PI foi descoberto ao se relacionar circunferências com diâmetros dos respectivos círculos. Embora a definição usual do PI baseie-se na constância da razão circunferência : diâmetro, muito provavelmente não foi essa a origem do PI. Com efeito, é difícil imaginarmos situações práticas reais onde, numa civilização incipiente, alguém tenha precisado calcular a circunferência de um círculo de diâmetro conhecido, ou vice-versa. Muito mais naturais sao problemas requerendo achar a área de um campo circular em termos do diâmetro ou mesmo em termos da circunferência. Em verdade, devia-se até questionar se a descoberta do PI realmente ocorreu no contexto de círculos, e não no de esferas.

Essa inquietação nao é só nossa. O famoso historiador matemático Abraham Seidenberg gastou muitos anos de sua vida vasculhando museus e lendo trabalhos de antropologia, em busca dos mais antigos indícios de envolvimento humano com círculos, esferas e o PI. O resultado desses estudos foi resumido nos seus artigos The ritual origin of the circle and square, Archiv. Hist. Exact Sc. 25, (1981), e principalmente em On the volume of a sphere, Archiv. Hist. Exact Sc. 39, (1988). Sua conclusão foi que o cálculo do volume da esfera em termos de seu diâmetro remontaria a antes de 2 000AC, sendo anterior a matemática das grandes antigas civilizações mesopotâmica, indiana, chinesa e egípcia. O historiador matemático B. van der Waerden identifica essa origem com o que chamo de Tradição Origem da Matemática e a localiza no Vale do Danúbio c. 4 000 AC. Segundo Seidenberg, nessa tradição também se teria reconhecido a igualdade da constante de proporcionalidade relacionando circunferência com diâmetro e área de círculo com quadrado do raio; ou seja, já nessa tradição, possivelmente lá por 3000 a 4000AC, se teria reconhecido que o "PI da circunferência" é igual ao "PI da área do círculo". Também é interessante observar que Seidenberg concluiu que a descoberta dessa igualdade usou métodos infinitesimais, ao estilo de Cavalieri.

mais antigo doc com PI E' preciso que fique bem claro que o que o trabalho de Seidenberg achou na noite dos tempos, em bem remota antiguidade, foram apenas indícios indiretos de envolvimento com PI. Os mais antigos documentos concretos que temos e que tratam explícitamente de PI são tabletas mesopotâmicas de c. 2 000 AC, como a mostrada ao lado. Examinando a figura desenhada, fica fácil ver que a mesma corresponde a adotar a aproximação grosseira PI = 3, que é a mais comum das aproximações para PI que encontramos nos documentos mesopotâmicos.

Um dos Grandes Matemáticos

PITÁGORAS (580-497 a.C.)


"Prestem atenção: num triângulo retângulo, o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos. Ou seja: a2=b2+c2. Está claro?" O professor larga o giz e se volta para a classe: "pois este é o enunciado do teorema de Pitágoras. Vamos passar agora à demonstração". Enquanto o professor se vira de novo para o quadro negro, alguns alunos se entreolham: "E quem foi esse Pitágoras?"


Um grego - o nome não engana ninguém. Um matemático - óbvio, caso contrário não faria teoremas. Um gênio - claro, senão quem não se preocuparia com ele e seus teoremas 25 séculos após sua morte? Um astrônomo - bem, vá lá, astronomia e matemática sempre andaram juntas. Mas Pitágoras foi mais que isso: conhecia também música, moral, filosofia, geografia e medicina.
Pitágoras viveu há 2500 anos e não deixou obras escritas. O que se sabe de sua biografia e de suas idéias é uma mistura de lenda e história real. A lenda começa antes mesmo de Pitágoras nascer: por volta de 580 a.C., a sacerdotisa do deus Apolo disse a um casal que vivia na ilha de Samos, no mar Egeu: "Tereis um filho de grande beleza e extraordinária inteligência; será um dos homens mais sábios de todos os tempos." No mesmo ano, o casal teve um filho. Era Pitágoras.


Lenda ou não lenda, a inteligência do jovem Pitágoras assombrava os doutos das melhores escolas de Samos: não conseguiam responder as perguntas do moço de 16 anos. Nessas condições, só havia uma coisa a fazer: despachá-lo a Mileto, para que estudasse com Tales - o maior sábio da época, provavelmente o primeiro grego a se dedicar cientificamente aos números.
Adulto, Pitágoras resolveu ampliar seus interesses. E começou a somar, além dos números, idéias sobre a ciência e a religião de outros povos. Acreditando que era preciso ver para crer, arrumou as malas e disse "até logo" a seus patrícios: foi à Síria, depois à Arábia, à Caldéia, à Pérsia, à Índia e, como última escala, ao Egito, onde passou mais de 20 anos e se fez até sacerdote para melhor conhecer os mistérios da religião egípcia. Dizem que quando Cambises conquistou o Egito, Pitágoras foi levado em cativeiro para a Babilônia. Curioso como era, o grego aproveitou a chance para descobrir em que pé andavam as ciências naquele país.
Muito tempo tinha passado e Pitágoras já dobrava a curva dos 50. Seu desejo era voltar a Samos e abrir uma escola. Mas Samos tinha mudado e o ditador Polícrates, que governava a ilha, não queria saber nem de escolas nem de templos. Aí Pitágoras seguiu adiante, a Crotona, no sul da Itália, onde as melhores famílias da cidade lhe confiaram prazerosamente a educação de seus filhos. E Pitágoras pôde, por fim, fundar sua escola, onde passou a ensinar aritmética, geometria, música e astronomia. E, permeando essas disciplinas, aulas de religião e moral.
Mais que uma escola, Pitágoras conseguira criar uma comunidade religiosa, filosófica e política. Os alunos que formava saíam para ocupar altos cargos do governo local; cientes de sua sabedoria torciam o nariz antes as massas ignorantes e apoiavam o partido aristocrático. Resultado: as massas retrucaram pela violência e - segundo dizem uns - incendiaram a escola, prenderam o professor e o mataram. Outros são mais otimistas: contam que Pitágoras foi só exilado para Metaponto, mais ao norte, na Lucânia, onde morreu, esquecido mas em paz, com mais de 80 anos de idade.
Assim se demonstra o teorema de Pitágoras: somando os quadradinhos dos quadrados menores, que correspondem aos catetos, vê-se que seu número é igual aos do quadrado maior, cujo lado constitui a hipotenusa de um triângulo.
"Tudo são números"
Pitágoras imaginava os números como pontos, que determinam formas. E o Universo, o que é, senão um conjunto de átomos, cuja disposição dá forma à matéria?
De qualquer modo, Pitágoras não se contentava em dizer frases; demonstrou que era necessário provar e verificar geometricamente um enunciado matemático, ou seja, expressá-lo como teorema. E formulou vários, além daquele mais conhecido. Por exemplo: a soma dos ângulos internos de um triângulo é igual a soma de dois ângulos retos (a+b+c=180º); a superfície de um quadrado é igual a multiplicação de um lado por si mesmo. Donde a expressão "elevar ao quadrado": 2x2=22; o volume de um cubo é igual à sua aresta multiplicada três vezes por si mesma: 2x2x2=23, o que originou a expressão "elevar ao cubo".
Pitágoras também mostrou que música e matemática são parentes: o comprimento e a tensão das cordas de uma lira, por exemplo, podem ser convertidos em expressões matemáticas.
O gênio de Samos era um homem religioso, acreditava na transmigração da alma: quando um homem morre, sua alma passa para outro ou para um animal. Só pela vida "pura" a alma poderia libertar-se do corpo e viver no céu. E vida pura significava, para Pitágoras, austeridade, coragem, piedade, obediência, lealdade. Dizia a seus alunos: "Honra os deuses sobre todas as coisas. Honra teu pai e tua mãe. Acostuma-te a dominar a fome, o sono, a preguiça e a cólera". Mas acreditava igualmente numa série de superstições: não comer carne por causa da reencarnação, não comer favas, não atiçar o fogo com ferro, não erguer algo caído do chão.
Melhor meio de purificar a alma, ensinava Pitágoras, era a música. O Universo - afirmava - era uma escala, ou um número musical, cuja própria existência se devia à sua harmonia.
Como astrônomo, seu principal mérito foi conceber o Universo em movimento. Como teórico de medicina, achava que o corpo humano era constituído basicamente por uma harmonia: homem doente era sinal de harmonia rompida. Como filósofo, deu origem a uma corrente que se desenvolveu durante os séculos seguintes, inspirando - entre os principais pensadores gregos - inclusive o famoso Platão.